UP: Altas Aventuras e o Labirinto da Mente


Olá pessoal, meu nome é Renis Ramos, sou professor especialista em filosofia E a partir de agora nos encontraremos nesta coluna para filosofar sobre filmes, séries, personagens, música, quadrinhos e outros conteúdos tidos como Pop.

Ler, assistir, observar, ouvir, experimentar ajuda-nos a manter a relação entre a percepção e o saber. Significados e valores contidos em personagens, histórias e símbolos, são capazes de colaborar na construção de alguns aspectos de nossa personalidade. Entreter é apenas uma das finalidades das mídias. Por isso, filtrar e refinar o conteúdo que consumimos é importantíssimo, além do mais, se bem filtrados, esse conteúdo pode se tornar uma ótima ferramenta para a educação.

A ética, a estética, a linguagem, entre tantos outros campos estudados pela filosofia, nos dão ótimas ferramentas para uma reflexão acerca de assuntos comuns de nosso dia a dia. Atentar a esta reflexão em busca de um amadurecimento pelo exercício filosófico será nosso missão aqui, bem como, reforçar a máxima de que “a filosofia está em tudo”, inclusive no que é Pop.

Temos um conteúdo enorme e que vem crescendo mais e mais, devido as grandes produções independentes de lançamentos no cinema e das produções de empresas de streaming e outros canais.

Esperamos que todos gostem. Abraços nossos. E vamos papear porque o papo é pop!
Decidi abrir esta coluna Filosofando o Pop, falando de um filme que revi recentemente com meu filho. Na verdade, estou sempre o revendo, mas dessa última vez, decidi que escreveria algo sobre. Corri para meu facebook e comecei a disparar algumas das minhas breves reflexões. Rapidamente alguns amigos e alunos começaram a comentar e perguntar sobre outros aspectos do filme. Vi que a coisa se estenderia demais por lá, então, decide ampliar o assunto e dividir aqui com os leitores do Correio68.

Up: Altas Aventuras. (PIXAR, 2009)

Para quem ainda não assistiu, vamos a um breve resumo: Carl Fredricksen é um viúvo vendedor de balões que, aos 78 anos, está prestes a perder a casa em que sempre viveu com sua esposa, a falecida Ellie. Devido um incidente, ele é considerado uma ameaça pública e é forçado a ser internado em um asilo. Para evitar que isto aconteça, ele enche milhares de balões em sua casa, fazendo com que ela levante voo. O objetivo de Carl é viajar até um local onde ele e Ellie sempre desejaram morar, o Paraíso das Cachoeiras. Só que, no início de sua aventura, ele descobre que alguém embarcou junto. O escoteiro Russell, um menino de 8 anos, que buscava ganhar a medalha de mérito por ajudar um idoso. Pelo caminho, mais dois personagens se juntam a eles, Kevin, uma ave tropical gigante e colorida, e Dug, um cachorro que tem uma coleira que permite traduzir seus pensamentos. Daí até seu destino final, eles vivem altas aventuras e descobertas que aos poucos irei trazendo no texto.

O protagonista, Carl Fredericksen, nos conduzirá por uma jornada incrível. Quando criança, ele se veste como um explorador, movido pela paixão que o inspira a se transformar em algo que ainda não é. Sua inspiração é baseada em um ídolo, o explorador Charles Muntz.
Como parte da roupa, ele utilizava um óculos redondo por cima do seu grande e quadrado óculos de grau. A representação dos óculos quadrados está em como ele enxerga o mundo, com uma maneira limitada devido sua timidez e insegurança. Ao utilizar óculos redondos por cima do seu quadrado, obtém a capacidade do uso da imaginação em trazer a perfeição – a ideia do que gostaria de ser – para a realidade dura (o olhar físico). Toda vez que o garoto coloca o óculos por cima do outro, ele se transforma em alguém que possui coragem, bravura, determinação, sabedoria. Além de, agora, observar o mundo de uma nova forma.

Além disso, temos o Espírito de Aventura: o balão azul que ele brinca como se fosse o dirigível do seu ídolo. O balão e o dirigível representam todo o ideal em descobrir lugares novos (A Vontade), algo que nos movimenta, partindo de um sonho, uma paixão, um desejo, até alcançar o amor e a conquista, longe de se relacionar com o impossível. Por isso, a representação de algo que está no céu (o dirigível) ou acima da cabeça (o balão) trazendo o valor do ideal, nossa forma de pensar as coisas.

A imaginação do garoto está apegada a imagem do seu ídolo. Uma imagem que está fora dele, o verdadeiro significado da palavra ídolos. O garoto ainda não acredita em si e no que ele poderá realizar, buscando ser igual ao ídolo, a primeira coragem que o inspira. Não consegue notar que é a Razão dele, Fredericksen, que preenche o balão. É sua ação que transforma aquele balão no seu espirito de aventura e o faz agir no mundo que ele descobre e enfrenta, e não a do ídolo.

Já Charles Muntz é o desbravador que leva a vida a buscar novas descobertas para ciência, em troca de status e títulos, até que, após uma de suas viagens, tem sua biografia questionada pela ciência ao trazer uma espécie exótica de ave incompleta. E devido aos questionamentos, tem seu posto e títulos arrancados até que prove a “verdade” sobre aquela ave. Na vida, quando buscamos realizar qualquer ação no campo pessoal ou profissional, somos movidos pela ciência de nossas ações, então, quando estudamos e nos preparamos para algo estamos nos fundamentando em fatos. Se não conseguimos explicar, demonstrar ou provar o que falamos não teremos mais do que contos. Além de que, os títulos para Charles Muntz eram muito mais importantes do que tudo que ele tinha descoberto, prova disso está no fato de que suas melhores descobertas ele guardava apenas para si.

Ao tentar reconquistar seus títulos, Charles Muntz, com o Ego ofendido, é motivado cegamente a ir até o local onde estava a criatura exótica e só retornaria após encontra-la viva. E fez dessa busca sua missão de vida.

Agora, sem a presença do ídolo, Fredericksen encontra alguém muito mais valioso e verdadeiro que possa inspirá-lo, a garota Ellie. Ela brincava sozinha, numa casa antiga, da qual ela era guardiã, e dela fazia o seu “espírito da aventura”. Gostando das mesmas coisas, brincando e se relacionando com o mundo também da mesma forma que ele, e ainda utilizava uma roupa de exploradora e um óculos redondo. Ellie representa a Perfeição da alma, o amor, a vontade, a misericórdia e outros aspectos femininos que nos movem. Ela é a parte que faltava para Fredericksen se reconectar e não precisar de ídolos. É nela que ele se inspira. Aquela que irá o libertar e fazer viver de fato. E, sendo ela quem o presenteia com a entrega do grande distintivo Ellie, símbolo de amizade, proteção e amor.
Quando eles namoram, essa união faz com que construam juntos aquilo que estava apenas inacabado, a Casa, guardada por ela na infância, agora com a ajuda e cooperação dos dois completam-se e realizam a tarefa. A casa do Fredericksen no filme carrega o simbolismo de tudo que construímos e depositamos como sendo o mais importante, estou falando de nossa Memória. Mas não uma memória física pelo valor materialista e acumulador, mas de algo a recordar, aquilo que é imortal.

O número da casa (18) tem o simbolismo que indica o quanto a ligação entre Espírito e a atividade inteligente da Individualidade é importante para que o destino do espírito seja cumprido na manifestação. Trata-se de descobrirmos quem somos e nosso propósito, talvez, as perguntas mais antigas da humanidade. Isso significa que a nossa meta na evolução é ligar esses dois níveis, e que a nossa primeira tarefa é desprender os véus (vícios e defeitos). E se for junto a outra pessoa, que saibamos respeitar o espaço e o pensamento desta pessoa.

No percurso dos dois, conquistas são alcançadas, mas dores também ocorrem. Como por exemplo, a perda do filho do casal. A tristeza recai sobre Ellie, mas o carinho de Fredericksen faz recordar dos sonhos que tinham. Eles juntam forças economizando para realizarem a viajem até o Paraíso das Cachoeiras. Entre uma economia e outra, os planos vão mudando e as experiências para os dois também. Até a morte de Ellie acontecer.
Quando ele perde sua esposa, tudo fica quadrado em sua forma de enxergar o mundo, ficando amargurado, ranzinza e triste. Seus traços físicos eram redondos quando criança e, começam a ficar quadrados mesmo junto a Ellie, porque está ficando adulto e não maduro; orelha, queixo, dedos, cabeça e roupas, tudo quadrado. Na casa dele, o sofá na sala é quadrado, o seu lado no quarto é escuro e os quadros de fotografia, também, quadrados. Do lado da Ellie tudo é mais iluminado, arredondados, mais vívido.

Psicológica e filosoficamente falando, trata-se de não nos tornarmos ranzinzas para a Vida. Vivermos sem medo, realizando aquilo que é de nossa Vontade. Nossa Coragem está em descobrirmos nossa Arte, viver pela amizade e com amizade. Onde o Amor em realizar isso, todos os dias, guia nossas ações, pensamentos, aprendizados, palavras… o nosso querer.

Agora ele carrega nas costas apenas a lembrança dela. E tudo que possa recorda-la. Mas, no decorrer de sua Jornada descobre pelo valor da promessa, da amizade e o Amor o que mais importa que é a relação humana e os momentos que temos juntos.

Essa redescoberta ocorre junto ao garoto Russell, um jovem escoteiro que traz desde sua forma de pensar a seus traços físicos, algo que lembra a perfeição livre de pré-conceitos, como ele fala: “O explorador é amigo de todo mundo…”. Ele ajuda o Fredericksen nisso. Russell tem lembranças doces junto a seu pai, tomando sorvete, falando das experiências do escotismo do pai. E cheio de cuidados com insetos, plantas e animais. Sua intenção de ajudar e o seu voto de promessa de coração, faz com que Fredericksen recorde como era na infância e junto a Ellie.

O cachorro Dug é outro que carrega um simbolismo. Quando Dug encontra pela primeira vez Fredericksen pede para levar o pássaro Kevin – pois o cão tem a missão de encontrar a ave e leva-la a seu dono – e diz que “não sei quem ele é, mas já gostei dele como meu Mestre”, pelo fato de Fredericksen deixar o cachorro fazer o que quer. A Amizade tem disso, mesmo sem sabermos quem são as pessoas, temos afeto e gostamos de estar perto delas. Quando nos educamos temos a Amizade, quando movidos pelo Ego temos o Instinto/Impulsos animalescos, por isso usada a figura de um cão.

A ave exótica Kevin é algo enigmático. Devido a isso representa nosso objetivo de vida, também enigmático. E os desafios para realizarmos estes objetivos. Dependendo da pessoa, pode ser descoberto e conquistado cedo, enquanto outras, levam boa parte da vida para descobrirem o que é. Kevin mora no alto das rochas, dentro de um Labirinto. Isso quer dizer, nossa cabeça e nossa Mente que está acima do corpo. Entrar nesse Labirinto, encontrar nosso objetivo de vida e sair para realiza-lo é uma tarefa árdua. Enfrentar medos pessoais, traumas, mentiras, obstáculos físicos e psicológicos sempre estão presentes na vida e no labirinto que é nossa mente.

A ave liga os dois personagens, Charles Muntz e Carl Fredericksen. Um querendo caçar e matar o outro proteger e libertá-la.

A falta de sucesso de Charles Muntz em conseguir alcançar seu objetivo de vida está em ele viver movido por vícios, amargura, raiva e instinto vulgar. Ele não se liberta de todos os vícios e defeitos (seus grilhões), rodeado apenas por seus pensamentos animalescos, sendo ele o ‘segundo alfa’. Os cachorros tem um alfa que domina a situação e que impedem até que Muntz brinde com Fredericksen em um certo momento, a relação humana entre os dois. Além de que Charles Muntz, agora vive em uma caverna escura com seu espírito de aventura preso dentro dela. A representação de nossa vontade presa a vícios e grilhões, na escuridão da insegurança e instintos vaidosamente protetores.
A diferença dos dois é que, os balões moveram o ideal do Fredericksen para realizar o seu sonho junto com o da esposa (enquanto lembrança) chegando ao Paraíso das Cachoeiras, símbolo de todas as emoções e sentimentos felizes dos dois. Enquanto o de Charles Muntz, ficou preso a um grilhão (vício) dentro da caverna escura.

A maior conquista está em Fredericksen reencontrar na amizade com Dug e o carinho de Russell o Amor que tinha pela vida junto a Ellie. Mesmo perdendo a casa, fisicamente falando, ele recorda tudo o que experimentou junto a ela, e agora, com Russell. Seu Espírito está acima, a amizade em fazer algo simples como tomar um sorvete e conquistar o agradecimento por ajudar um idoso, isto é imortal.

Renis R.
Prof. de Filosofia

Post navigation

Renis Ramos

4 thoughts on “UP: Altas Aventuras e o Labirinto da Mente

Comments are closed.